Não se deve conduzir um projeto inteiro baseado apenas na visão do cliente, dos designers, dos desenvolvedores, dos gestores, etc. As chances de equívoco ou parcialidade são altas.
O desafio é iniciar um projeto da forma certa, centrado no ser humano. Por isso, para criar uma experiência memorável é preciso realmente entender as pessoas em sua essência. Descobrir suas dores, necessidades, desejos e problemas, estudar o comportamento delas para finalmente projetar algo que seja usável e desejável.
Durante muitos anos eu trabalhei em agências de publicidade e agências digitais. Normalmente, a maioria delas contém processos tradicionais. E, dificilmente, profissionais de design realizam pesquisas com as pessoas, sejam elas os stakeholders envolvidos no ecossistema do projeto ou os próprios usuários de um produto ou serviço.
Percebi durante anos que no meu processo de criação faltava essa parte importantíssima que são as pesquisas. Decidi então falar com as pessoas, entender melhor o que elas pensam, conhecer os seus desejos e necessidades, melhorando com isso tudo o que eu projetar. A partir do momento em que eu passei a utilizar o Design Thinking como algo indispensável em meus projetos, os resultados obtidos têm se mostrado bastante satisfatórios.
Antigamente eu pensava em ganhar prêmios com meu design, atualmente eu penso em criar algo que possa mudar a vida das pessoas.
Profissionais de design têm como principal característica a resolução de problemas. Porém, a maioria trabalha sob pressão e com prazos curtos para o processo de criação. A grande parte não tem criado de forma centrada no ser humano, não tem solucionado problemas complexos e não tem transformado contextos. O principal motivo, na maioria das vezes, é que designers não realizam pesquisas, seja por falta de planejamento e por correria da entrega ou até mesmo por ignorarem esta parte importante do processo. Além disso, profissionais de design normalmente recebem briefings para análise que foram mal elaborados por outros profissionais. E, algumas vezes, o Agile e o Lean têm retirado diversos entregáveis importantes do processo de criação.
Sempre que falamos em design, devemos pensar que ele existe para a solução dos problemas das pessoas. Ou seja, aquele design do dia a dia, que não funciona apenas para usuários, mas para qualquer cidadão, seja ele um usuário ou não. Profissionais que trabalham em processos criativos precisam ter um olhar mais holístico e pensar nos fatores humanos em seus projetos, ter empatia com as pessoas é uma característica que todo bom designer deve ter.
Por meio de pesquisas, dados são fornecidos e, por meio deles, é possível medir. E tudo o que é medido pode ser melhorado!
Este artigo tem como objetivo compreender como designers podem usufruir das pesquisas. Assim, eles podem entender melhor as necessidades, os anseios, desejos, problemas, dores e o contexto das pessoas que serão os usuários de um determinado produto ou serviço. Portanto, o objetivo é compreender como designers podem deixar o discurso das pesquisas de lado e implementá-las. E para isso é necessário pensar mais nas pessoas, se colocar no lugar delas de forma empática.
É muito importante que um designer pense no fator humano para projetar soluções empáticas que solucionem problemas complexos. O fator humano deve ser observado sob quatro perspectivas, que são os fatores físicos, sociais, psicológicos e de contexto (cultural). As pessoas no geral são bastante complexas, sendo essa complexidade algo natural do ser humano. Conversar com elas é bom para isso, para descobrir mais sobre o que elas dizem e também para perceber o que elas fazem. Na maioria das vezes, essa complexidade existe porque as pessoas falam uma coisa e fazem outras coisas no seu dia a dia.
Trabalhar com pesquisas é essencial para estudar o comportamento das pessoas. Existem vários estudos, métodos e técnicas que são importantes para melhorar não somente a usabilidade e experiência de uso de um projeto, mas também para descobrir o conceito e percepção que os próprios usuários têm em relação à marca, ao produto e ao ambiente que está ao seu redor.
Dentre todos os que participam de uma equipe de projeto de interface, o usuário é a pessoa que mais conhece o sistema interativo no contexto de seu trabalho. Assim, é natural buscar envolvê-lo nas decisões de projeto. A norma ISO 13407 propõe que o envolvimento do usuário seja uma prática frequente em empresas que desenvolvam sistemas interativos. (CYBIS Walter, 2010, p.131).
Em outras palavras, um designer que olha para o problema apenas pelo seu ponto de vista acaba ficando muito distante do real desafio. Mas se o seu olhar for multiplicado, o designer terá diferentes perspectivas. Assim ele chega mais perto do que esse problema é na realidade.
Ou seja, envolver as pessoas (usuários) desde o início em decisões estratégicas dos projetos fará com que a probabilidade deste produto ou serviço venha a ser mais aceito e não entre na grande estatística negativa dos projetos que não vingaram.
PREECE (2005) compreende que os usuários que estiverem envolvidos e perceberem ter contribuído para o desenvolvimento de um produto provavelmente sentir-se-ão seus “donos”, mostrando-se mais receptivos quando ele estiver pronto.
Uma boa pesquisa deve ter 50% de entendimento e 50% de vivência no campo. Para obter um bom entendimento inicial do problema, faz-se necessário a utilização de pesquisas de dados secundários (Desk Research). Ou seja, é realizado um levantamento de dados de temas análogos e que estão disponíveis em diversas fontes, como: internet, revistas, jornais, livros, etc. Como resultado da pesquisa, poderá ser criado pelo designer um documento que contempla todo o estudo realizado. Nele vai constar as evidências retiradas das fontes, gráficos comparativos dos recursos e funcionalidades analisados e uma planilha completa com toda a área estudada.
Mas conhecer o problema e o desafio proposto apenas pela Desk Research poderá não oferecer todos os insights necessários. Esta pesquisa traz bastante divergência de pensamentos entre a equipe interna envolvida, além de um bom repertório sobre o tema estudado. Mas uma pesquisa de dados secundários é realizada dentro do ambiente confortável de trabalho do pesquisador, sem os desafios e percepções de uma pesquisa de campo.
Para uma boa pesquisa de campo, o designer pesquisador poderá utilizar a triangulação de pesquisa (ouvir, observar e sentir).
Ouvir o que as pessoas dizem que fazem por meio de entrevistas em profundidade. Seja inicialmente com stackholders envolvidos no ecossistema do projeto ou com usuários reais. Realizar entrevistas é um passo importante para começar a conhecer as dores e os problemas que estão envolvidos.
O planejamento das entrevistas envolve inicialmente a identificação das necessidades das pessoas em termos de informações para o projeto. A partir daí se inicia a preparação de um roteiro, com tópicos a serem cobertos para obter tal informação.
A execução de uma entrevista deve-se dar em quatro momentos distintos: aquecimento, introdução, entrevista e encerramento. Em todos os momentos é importante que o entrevistador assuma uma postura neutra e analítica. (CYBIS Walter, 2010, p.149).
Portanto, deve-se escolher um local para a entrevista. O ideal é ir a campo com um roteiro pré-pesquisa. Ou seja, ir até o contexto do entrevistado para ele se sentir confortável em sua rotina diária. A função de realizar uma entrevista com um roteiro pré-pesquisa é dar um direcionamento inicial. Além disso, explorar também as oportunidades que aparecerão ao aprofundar-se nas perguntas com os 5 PORQUÊS. Recomenda-se ir a campo com duas pessoas para que uma pessoa anote e documente tudo o que for falado e a outra faça de fato a entrevista. Gravar a entrevista é uma boa opção para não se perder nada e também utilizar técnicas etnográficas poderá ser essencial para que o pesquisador examine todo o ambiente, o comportamento e a interação dos entrevistados.
As entrevistas o ajudam a entender as preferências e atitudes do participante, mas elas não devem ser usadas para fazer afirmações formais sobre o desempenho real. Se você estiver procurando informações específicas sobre como as pessoas interagem com um site, é melhor observá-las usando-o (por exemplo, em uma investigação contextual) ou pedir para que elas realizem tarefas no site durante o teste de usabilidade. (UNGER Russ, 2009, p.95, p96)
Observar o que realmente as pessoas fazem no seu dia a dia por meio de técnicas de observação e percepção. O que seria melhor, perguntar para uma criança qual brinquedo ela mais gosta de brincar ou observar ela brincando para descobrir o que ela mais gosta? Com a técnica User Shadowing é feito um olhar etnográfico, atento aos mínimos detalhes do que as pessoas realmente fazem. Portanto, observa-se tudo o que ela faz, como a postura corporal, as condutas, a linguagem verbal e não verbal. Tudo é registrado por anotações e gravações, sem a realização de perguntas.
A técnica de observação do usuário se caracteriza por um pesquisador observando o usuário e tomando notas, enquanto este trabalha em seu contexto usual. A observação pode ser direta, quando o observador está presente durante a tarefa, ou indireta, quando ele assiste a uma gravação da tarefa em vídeo. (CYBIS Walter, 2010, p.156).
Sentir realmente o que é o desafio, problema e contexto por meio de pesquisas participativas. Este ponto da pesquisa requer uma participação bastante empática. Esse é o momento em que o designer pesquisador realmente se coloca no lugar e no contexto das pessoas. É quando ele faz um mergulho a fundo no contexto dos entrevistados (um dia na vida). Dessa forma, os detalhes cotidianos é que são importantes. Ou seja, o pesquisador precisa estar atento aos mínimos detalhes e realmente calçar os pés com as sandálias das pessoas.
Outro recurso interessante de ser utilizado nesta fase da pesquisa é o Método The Bridge. Ele é um método colaborativo e participativo em que os requisitos funcionais são desenvolvidos sob o ponto de vista dos usuários. Imagine envolver stackholders e usuários na criação de um fluxo de navegação e interação do seu projeto? Com este método os resultados são eficazes quando se trata de empatia e não de pensar apenas sob a perspectiva do designer.
A abordagem chamada The Bridge baseia-se em uma sequência de sessões de projeto participativo, envolvendo usuários, engenheiros de usabilidade, engenheiros de software, programadores. De preferência, todo o trabalho previsto deve ser realizado em um ou dois dias de reuniões em salas equipadas apenas de mesas, cadeiras, lápis, papel, cartões adesivos e desenhos de janelas pré-impressos. Nelas, projetistas e usuários realizarão a passagem (the bridge) entre os requisitos de usabilidade e o projeto de uma interface. (CYBIS Walter, 2010, p.188).
Também é tarefa do designer pesquisador a análise dos dados obtidos pela pesquisa. É aquela hora de processar e analisar esses dados. Além disso, checar as informações extraídas dos questionários, das entrevistas e das gravações realizadas.
Se for uma pesquisa quantitativa, é necessário tabular os resultados obtidos e fazer os cálculos para mensuração. Você pode, por exemplo, medir a satisfação dos usuários com relação ao produto/serviço. Se for uma pesquisa qualitativa, descobrem-se as opiniões e percepções dos usuários.
E, finalmente, os entregáveis devem ser elaborados por meio de relatórios com os dados sobre a pesquisa. Essa é a etapa de a apresentação dos resultados obtidos. A apresentação da metodologia empregada deve ser enfatizada e essa apresentação servirá como base para a tomada de decisões.
Um bom designer não é apenas aquele que ganha prêmios pela sua bela criação. Mas é quem sabe para qual público está criando, que está projetando algo em busca de mudar vidas.
E, segundo Philip Kotler, devemos criar um “caso de amor” com nossos clientes, pois eles próprios farão a nossa publicidade.
CYBIS, Walter. Ergonomia e usabilidade: conhecimentos, métodos e aplicações / Walter Cybis, Adriana Holtz Betiol, Richard Faust. – 2. Ed. – São Paulo: Novatec Editora, 2010.
PREECE, Jennifer. Design de interação: além da interação homem-computador / Jennifer Preece, Yvonne Rogers e Helen Sharp; trad. Viviane Possamai. – Porto Alegre: Bookman, 2005.
UNGER, Russ; CHANDLER, Carolyn. O Guia para projetar UX. A experiência do usuário (UX) para projetistas de conteúdo digital, aplicações e web sites. Rio de Janeiro: Alta Books, 2009.
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Escrito por
Daniel CoscarelliGraduado em Marketing, com mais de 10 anos de experiência em criação de produtos Web e Mobile. Aplica conceitos, ferramentas, técnicas e processos de UCD e HCI. Atualmente é Ux / Product designer da Gerencianet.
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